Os meniscos têm importantes funções, tais como: estabilização articular (1), distribuição e suporte de carga (2), nutrição da cartilagem e propriocepção (3). A quebra de estrutura meniscal leva à alteração da cinemática e das forças que agem no joelho causando, em última análise, a degeneração da cartilagem articular (4). Não obstante às dificuldades de cicatrização dos meniscos, caracterizadas por sua vascularização precária nos seus dois terços centrais (5), as ações devem ser sempre em busca da preservação dessa estrutura.
Vascularização
A vascularização do menisco é abundante na sua porção mais periférica e escassa no terço médio e inexistente no terço central (5). As artérias genicular superior e inferior emitem e formam uma intrincada rede vascular na periferia meniscal e estes vasos penetram até aproximadamente um terço da largura meniscal. Desta característica surgiu a classificação do menisco em zonas, dividindo em três terços: vermelha, vermelha-branca (intermediária) e branca. Na zona branca não há cicatrização natural pela falta de suprimento sanguíneo. Como a cicatrização de um tecido depende do acesso das células e mediadores químicos no local da lesão, a presença de vasos é de fundamental importância. Esse conhecimento, juntamente ao reconhecimento da importância dessa estrutura, reflete prontamente nas modalidades de tratamento disponíveis para as lesões meniscais.
Anatomia
O menisco medial tem um formato de “C”, com o corno posterior maior que o anterior. É firmemente aderido à cápsula articular e no ligamento capsular medial. O menisco lateral tem a forma de “O”, cobre mais o platô tibial, seu corno anterior está bem próximo à inserção do ligamento cruzado anterior, não tem um corno posterior espesso como o menisco medial, apresenta o hiato poplíteo por onde passa o tendão do músculo poplíteo, tem dois ligamentos menisco-femorais denominados de Humphrey e Wrisberg, e é quase duas vezes mais móvel (6). O menisco medial está mais associado à estabilidade, enquanto que o lateral ao suporte de carga (7).
Microscopicamente, o menisco é uma fibrocartilagem composta por células e por um emaranhado de fibras colágenas cuja orientação está diretamente relacionada à função (8). A predominância é de colágeno tipo I, embora haja os tipos II, III e V. Há presença de proteoglicanos e água compondo a matriz extra-celular (8).
Estudos biomecânicos mostram que pelo menos 50% da carga de compressão é transmitida aos meniscos com o joelho em extensão e 85% com a flexão de 90 graus (9). Há estudos que mostram que uma ressecção meniscal de apenas 15-34% aumenta a pressão de contato em 350% (10).
Peça anatômica
Peça anatômica
Diagnóstico
Os sinais e sintomas associados às lesões meniscais são geralmente relacionados ao trauma em adultos jovens e adolescentes, embora possa ser insidioso nos casos de degeneração que acometem pacientes acima de 40 anos. A dor está localizada nas interlinhas media ou lateral, dependendo do menisco lesado e surge ao rodar o corpo com o pé fixo e agachar, portanto com movimentos provocativos que comprimem o menisco entre o fêmur e a tíbia. O derrame surge após o trauma algumas horas depois e é intermitente nos casos crônicos. Pode haver sintoma de bloqueio, estalidos e falseios. Com o tempo os sintomas diminuem e reaparecem tal qual o derrame, dependendo do movimento realizado pelo paciente.
O diagnóstico diferencial se faz com condromalácea, instabilidade fêmuro-patelar, lesão ligamentar, corpo livre, osteocondrite dissecante e osteonecrose.
Exame Físico
No exame físico devemos procurar, na inspeção, por derrame geralmente pequeno, palpar a interlinha articular, fazer a manobra de estresse medial e lateral, verificar eventual bloqueio que está relacionado à lesão em alça de balde. Obviamente, examinamos o joelho como um todo, já que há associação de lesão em um grande número de casos.
Há as manobras e os sinais específicos para os meniscos. Alguns dos mais importantes são: dor na palpação da interlinha articular, manobra de McMurray, Apley, Steimann, sinal de Payr e sinal do centro-avante.
Manobra de Apley
Manobra de Steimann
Manobra de Apley
Sinal de Payr
Diagnóstico por imagem
Devemos sempre solicitar radiografias nos traumas do joelho. Com esse exame notamos a presença de corpos livres, fraturas, artrose, osteocondrite dissecante, e outras lesões ósseas.
Para o acesso às partes moles, o exame de padrão ouro é a ressonância magnética. A presença de hipersinal que atinge ambas as superfícies do menisco avaliado sugere lesão traumática e de tratamento cirúrgico. Entretanto, ressaltamos que uma boa história do paciente e o exame físico adequado devem ser suficientes ao diagnóstico da lesão.
Cortes sagitais em T1 e T2 demonstrando lesão do menisco medial
Tratamento
Conservador
As lesões periféricas e estáveis são passíveis de cicatrização. Aquelas longitudinais, de até 10 mm de extensão, radiais de 3 mm, e de espessura parcial, seriam as ideais para o tratamento conservador (11). O tempo para fechamento da lesão varia de 6 semanas a 3 meses. A crioterapia, manutenção da musculatura da coxa e da amplitude articular. A carga dá-se quando a dor permitir. Evita-se a imobilização por problemas de rigidez.
Meniscectomia
A artrite degenerativa pós meniscectomia está bem estudada na literatura (12-15). Entretanto, as lesões centrais por não atingirem a área vascularizada podem ter como única opção sua ressecção, bem como nas lesões complexas, nos meniscos degenerados, radiais, horizontais e lesões crônicas.
O prognóstico dos pacientes submetidos à ressecção do menisco medial com deficiência do ligamento cruzado anterior e deformidade em varo é ruim, aumentando as chances de artrose. Devemos ter isso em mente ao indicarmos o procedimento.
As meniscectomias parciais que se aprofundam até a cápsula articular ou no caso do menisco lateral que atingem o hiato poplíteo funcionam, biomecanicamente, como uma meniscectomia total. Isso deve ser evitado a todo custo.
Demonstração esquemática de meniscectomia parcial
Lesão não passível de sutura
Utilização do shaver
Lesão degenerativa
Reparo
Nem sempre é possível o reparo meniscal embora o aprimoramento das técnicas amplie e facilite a preservação dessa estrutura. A manutenção do menisco seria essencial para a vitalidade da cartilagem articular do joelho. Entretanto, nem sempre o paciente aceita o reparo pelo tempo de recuperação.
As lesões ideais para o reparo seriam as agudas, longitudinais, maiores que 1 cm, na zona vermelha, em pacientes jovens e que no mesmo tempo cirúrgico se fizesse a reconstrução do ligamento cruzado anterior (16,17). No entanto, essas não seriam as únicas indicações.
Num esforço para estender as indicações para o reparo e aumentar a taxa de sucesso, desenvolveram-se técnicas para promover a vascularização para as áreas mais centrais e a cicatrização dos meniscos. São elas: trefinação, abrasão e debridamento das bordas, uso de cola de fibrina e fator de crescimento tecidual.
A trefinação tem por objetivo criar canais que interligam a área vermelha com a área branca do menisco não devendo afetar de forma significativa a estrutura das fibras colágenas, e ao mesmo tempo prover irrigação (5,18). A agulha deve ser fina (hipodérmica) e passar da periferia ao centro do menisco, acompanhada da sutura que estabiliza a lesão quando necessária.
Trefinação
O debridamento e a abrasão das bordas tem por finalidade provocar sangramento no local quando há tecido degenerativo ou desvitalizado (19,20). Dever ser leve para não aumentar a distância de lesão ou alteração da arquitetura meniscal.
Os resultados das suturas meniscais, quando da reconstrução do ligamento cruzado anterior, são superiores aos casos de lesão meniscal isolada (17,21,22). Isso, em teoria, deve-se à presença de sangramento ósseo advindo da sulcoplastia e dos túneis ósseos. O sangramento da medula óssea tem fatores que estimulam a cicatrização. Então, nos casos de lesões isoladas, poderíamos prover esses fatores provocando microfraturas na região do intercôndilo, utilizando preparado de coágulo de fibrina ou plasma rico em plaquetas por centrifugação do sangue do próprio paciente para auxiliar nos resultados dos reparos.
A grande maioria das suturas é realizada concomitantemente com a reconstrução do ligamento cruzado anterior. A demora para a cicatrização total do menisco varia de 4 a 6 meses. As técnicas de sutura podem ser de dentro para fora do joelho, de fora para dentro e totalmente dentro da articulação, sendo a última totalmente artroscópica. Nas duas primeiras é necessária via de acesso adicional póstero-medial ou lateral para a proteção neurovascular e para que o nó fique justa-capsular. A sutura pode ser vertical ou horizontal. Estudos comparativos mostram que a sutura vertical é mais resistente que a horizontal, dardos ou outros dispositivos artificiais. O processo de reabilitação é variável na literatura. De forma geral o paciente fica de 4 à 6 semanas com carga parcial e limitação do arco de movimento de 0 à 90 graus.
As complicações do reparo são, nos casos do uso dos dispositivos absorvíveis, lesão da cartilagem femural por atrito, absorção incompleta do dispositivo, irritação da cápsula com sinovite, soltura, não cicatrização e lesão neurovascular. Nos casos de sutura com fios também pode haver não cicatrização, lesão neurovascular e artrofibrose com diminuição o arco de movimento. Na literatura a taxa de sucesso varia de 75-93% de bons resultados (23-26), embora o bom resultado seja considerado apenas a ausência de sintomas, não tendo acesso à cicatrização propriamente dita, onde seria necessária uma nova artroscopia, pois a ressonância magnética teria pouco valor.
Sutura “inside out”
Sutura “outside in”
Dispositivos de reparo
Transplante
A indicação de transplante meniscal é restrita. O paciente ideal seria aquele que apresenta dor no compartimento envolvido, jovem o suficiente para que não seja indicada a artroplastia, já meniscectomizado, sem alterações significativas de artrose, sem deformidades angulares, não obeso, joelho estável e com boa mobilidade (27). As doenças degenerativas inflamatórias e sinoviais contra-indicam o procedimento. A instabilidade e deformidades angulares devem ser corrigidas antes do transplante. Como vemos as restrições dificultam a indicação, além da necessidade de banco de tecido extenso, pois a medida doador-receptor é importante para o sucesso do transplante. No entanto, os resultados são bons (28-30) e é uma técnica que deve ser difundida.
A intenção, no futuro, é preservar totalmente o menisco sendo criadas condições para vascularização e cicatrização das lesões, evitando as meniscectomias, a fim de preservar a cartilagem articular. A engenharia genética poderá nos auxiliar nesse sentido.
Seqüência cirúrgica do transplante
Visão artroscópica final
Pós-operatório
Quando realizada a meniscectomia artroscópica parcial, que é o procedimento mais comum, o paciente está autorizado a deambular com carga parcial já no primeiro dia e a carga é totalmente liberada no terceiro dia. Na reabilitação, o fisioterapeuta se preocupará com a dor, derrame pós-operatório e hipotrofia muscular; além da propriocepção antes do retorno aos esportes que acontece em torno de quatro a seis semanas.
Nos casos de reparo de lesões isoladas do menisco, a carga parcial (com ajuda de muletas) é mantida nas seis semanas iniciais, com o joelho permanecendo imobilizado em extensão com uma órtese que controla a flexão com a finalidade de evitar forças de cisalhamento sobre a sutura realizada. A flexão é ganha progressivamente sob supervisão do fisioterapeuta e não deve ultrapassar os 30 graus nas duas primeiras semanas e 90 graus até a sexta semana. O retorno aos esportes se dá após o terceiro mês se estão bons a propriocepção, o arco de movimento e a força muscular.
Como a maioria dos reparos meniscais está associada à reconstrução do LCA, um modelo misto de reabilitação deve ser proposto. Já que há, por parte da cirurgia meniscal restrição à flexão, e por parte da cirurgia do ligamento retorno aos esportes mais prolongado em torno de seis meses.
Referências
Clark CR, OgdenJA: Development of the menisci of the human knee joint: morphological changes and their potenial hole in childhood meniscal inury. J Bone Joint Surg Am 65:538-547, 1983
Wong M, Hunziker EB: Articular cartilage biology and biomechanics. In Insall JN, Scott WN (eds): Surgery of the knee, 3 rd ed. Philadelphia , Churchill Livingstone, 2000, pp 317-325.
Dye SF, Vaupel GL, Dye CC: Conscius neurosensory mapping of the internal structures of the human knee without intraarticular anesthesia. Am J Sports Med 26:773-777, 1998.
Odriscoll SW: Curent concepts review: The healing and regeneration of articular cartilage. J Bone Joint Surg Am 80:1975-1812, 1998.
Arnoczky SP, Warren RF: Microvasclature of the human meniscus. Am J Sports Med 10:90-95, 1982
Thompson WO, Thaet FL , Fu FH, Dye SF: Tibial meniscal dynamics using three-dimensional reconstruction of magnetic resonance images. Am J Sports Med 19:210-216, 1991.
Shoemaker SC , Markolf KL: The role of the meniscus in the anterior-posterior stability of he loae anterior cruciate-deficient knee: Effects of partial versus toal excision. J Bone Joint Surg Am 68:71-79, 1986.
Beaupre A, Choukroun R, Guidouin R, et al: Knee menisci Correlation between microstructure an biomeanics. Clin Orthop 208:72-75, 1986.
Ahmed AM, Burke DL: In-vitro measurement of static pressure distribution in synovial joints. Part I: Tibial surface of the knee. J Biomech Eng 105:216-225, 1983.
Kettelkamp DB, Jacobs AW: Tibiofemoral contact area: Determination and implications. J Bone Joint Surg Am 54:349-356, 1972.
Shelbourn KD, Heinrich J: The long term evalation of lateral meniscus tears left in situ at the time of anterior cruciate ligament reconstruction. Arthroscopy 20:346-351, 2004.
Anderson-Molina H, Karlsson H, Rockborn P: Arthroscopic partial and total menisectomy: A long-term follow-up study with matched controls. Arthroscopy 18:183-189, 2002.
Fauno P, Nielsen AB : Artroscopic partial menisectomy: A Long term follow-up. Arthroscopy 8:345-349, 1992.
Kruger-Franke M, Siebert CH, Kugler A, et al: Late results after arthroscopic partial menisectomy. Knee Surg Sports traumatol Arthrosc 7:81-84, 1999.
Sceller G, Sobau C, Bulow JU: Arthroscopic partial lateral menisectomy in an otherwise normal knee: Clinical function, and radiographic results of a long-term follow-up study. Arthroscopy 17:946-952, 2001.
Cannon WD: Arthroscopic meniscal repair. In McGinty JB (ed): Operative Arhroscopy. New York , Lippincott Willinas & Wilkins, 1996.
Cannon WD Jr, Vittori JM: The incidence of healing in arthroscopic meniscal repair in anterior cruciate ligament-reconstructed knees versus stable knees. Am J Sports Med 20:176-181, 1992.
Fox JM, Rintz KG, Ferkel RD : Trephination of incomplete meniscal tears. Arthroscopy 9:451-455, 1993.
Henning CE, Lynch MA, Yearout KM: Meniscal repair with rasp abrasion of both tear surfaces: A Preliminary report. Presented at the Anual Meeting of American Society for Sports Medicine, Sun Valley , ID , 1990.
Jakob RP, Staubli HU, Zuker K et al: The arthroscopic meniscal repair. Techniques and clinical experience. Am J sports Med 16:137-142, 1988.
Hamberg P, Gillquist J, Lysholm J: Suture of new and old peripheral meniscus tears. J Bone Joint Surg Am 65:193-197, 1983.
Noyes FR, Barber-Westin SD : Arthroscopic repairs of meniscal tears extending into the avascular zone with or without anterior cruciate ligament reconstruction in patients 40 years of age and older. Arthroscopy 16:822-829, 2000.
Ryu RNK, Dunbar DW. Arthroscopic meniscal repair with two-year follow-up: a clinical review. Arthroscopy 4:168-173, 1988.
Morgan CD, Casscells SW. Arthroscopic meniscus repair: a safe approach to the posterior horns. Arthroscopy 2:3-12, 1986.
Rosenberg TD, Scott Sm, Coward DB et al. Arthroscopic menical repair evaluated by repeat arthroscopy. Arthroscopy 2:20, 1986.
Warren RF. Menisectomy and repair for ACL deficiency. Clin Orthop 252:55-63, 1990.
Alford JW, Cole BJ :Meniscal Allograft Transplantation In Insall JN, Scott WN (eds): Surgery of the knee, 4 rd ed. Philadelphia , Churchill Livingstone, 2006, pp 502.
Noyes FR, Barber-Westin SD , Rankin M: Meniscal transplantation in syntomatic patients less than fifty years old. J Bone Joint Surg Am 86: 1392-1404, 2004.
Stollsteimer GT, Shelton WR, et al: Meniscal allograft tranplantation: A 1 to 5 year follow up of 22 patients. Arthroscopy 16:343-347, 2000.
Wilcox TR, Goble EM, Doucette SA: Goble technique of meniscus transplantation. Am J Knee Surg 9:37-42, 1996