:01: Dor na Perna do Corredor - parte I

 
por Dra. Ana Paula Simões da Silva, ortopedista convidada

Introdução

Uma das queixas mais comuns nos atletas recreativos e profissionais que praticam esporte de corrida é a dor na perna. O diagnóstico adequado e um plano de tratamento oportuno ajudam a assegurar um retorno mais rápido e sem complicações as atividades esportivas.

É preciso atenção quando o atleta apresenta uma queixa geral de dor na perna porque os achados no exame físico, resultados de testes diagnósticos e a forma adequada de tratamento são variáveis, pois tudo depende da etiologia específica da dor. As causas são diversas podendo variar desde condições comuns e de fácil administração, até as de difícil diagnóstico que requerem intervenção cirúrgica.

Anamnese inicial

Algumas perguntas essenciais devem ser respondidas de início:

•  Houve alguma mudança no treinamento como: nível, intensidade, duração, superfície ou calçado?

•  Esses fatores interferem no mecanismo de corrida, distribuição de carga e força muscular?

•  Existe alguma perda de sensibilidade, fraqueza e irradiação da dor?

•  Sintomas sugerem causa de origem neurológica?

•  Ocorre dor noturna, presença de massa, mal estar ou febre, presença de vermelhidão e calor?

•  Sintomas de provável origem patológica ou infecciosa?

Diagnóstico

Exames por imagem são importantes para complementação do diagnóstico como:

•  radiografias (em geral, se a dor estiver presente há menos de 2 semanas e não for intensa, provavelmente o resultado deste exame será negativo, assim como dores localizadas nas partes moles, como músculos e tendões). A indicação deste exame está nas dores articulares e ósseas agudas de alta intensidade ou de longa duração.

•  ressonância magnética

•  cintilografia óssea


Síndrome da Tensão Tibial Medial/“Canelite” 

Definição

A síndrome da tensão tibial medial (STTM) é um distúrbio complexo e controverso que pode afetar qualquer atleta corredor. Ela é definida como uma dor e desconforto na perna causada por corrida repetitiva numa superfície dura ou por uso excessivo dos flexores do pé.

O diagnóstico deve ser limitado á inflamações músculo tendíneas devendo, portanto excluir fraturas por stress ou distúrbio isquêmico (1).

A STTM é uma condição que leva a dor na região póstero–medial da perna dos dois terços distais da tíbia. Condição também conhecida como síndrome do sóleo. 

Causas

A STTM é periostite causada por tensão excessiva na borda medial da tíbia por fatores múltiplos:

•  Alterações biomecânicas

•  Aumentos súbitos na intensidade do treinamento e duração

•  Alterações no calçado e superfície de treinamento

•  Lesões de partes moles

•  Falta de alongamento (inelasticidade muscular)

•  Anormalidades na inserção muscular


Etiologia e biomecânica

Na fase média da passada o pé prona para absorver o choque e para se adaptar ao terreno.

Nos casos de pisada pronada excessiva ou de maior velocidade de pronação a biomecânica da marcha ou corrida é alterada gerando um estiramento do músculo sóleo medial. Essa hiperpronação combinada com o impacto repetitivo gera a periostite da borda póstero-medial tibial, induzida por tração muscular.


Apresentação clínica

  • Dor contínua, progressiva e prolongada na metade distal na região póstero-medial da tíbia.
  • A dor é aliviada com o repouso e piora com a atividade física.
  • Queda do desempenho como conseqüência ou limitação.
  • Dor na tíbia distal com ou sem leve edema (a área é mas difusa que a fratura por estresse)
  • Pode haver dor com elevação dos dedos do pé ou pela flexão plantar resistida.

Exames complementares

  • A maioria das radiografias é normal. Pode ocorrer neoformação óssea periosteal longitudinal irregular ou hipertrofia cortical da tíbia.
  • Já na ressonância magnética pode ser evidenciado um edema periosteal indicando a periostite de tração.
  • A cintilografia óssea pode demonstrar lesões longas longitudinais chegando a um terço do comprimento do osso.
  • Alguns trabalhos mostram que a densidade mineral óssea tibial pode estar diminuída.

Tratamento

A maioria STTM é de tratamento conservador.

Faz-se necessário repouso relativo (2 a 4 meses), mantendo o condicionamento físico com atividades sem impacto e indolores como bicicleta e natação.

Medidas gerais devem ser tomadas como a diminuição da intensidade e duração do treino além de mudar a superfície do terreno da corrida.

Podem ser usados: antiinflamatórios, gelo, fisioterapia analgésica e alongamento do Aquiles. Em alguns casos são necessários a utilização de órteses ou palmilha para correção da pronação.

O retorno deve ser gradual não se esquecendo do alongamento e condicionamento progressivos.

A indicação cirúrgica ocorre após dois períodos de repouso e retorno as atividades com repetição dos sintomas. É preconizado a fasciotomia do compartimento posterior superficial da tíbia.

Bibliografia

  1. Subcommittee on Classification of Sports Injuries committee on the medical aspects of Sports Standard nomenclature of Athletics Injuries. Chicago, IL: American Medical Association, 1966.
  2. Mubarak SJ, Gould RN and cols: The medial tibial stress syndrome: A cause of Shin splints. Am J Sports medicine 1982; 10: 201-205.
  3. Michael RH, Holder LE: A cause of medial tibial stress (Shin splints). Am J Sports medicine 1985; 13: 87-94.
  4. Anderson MW and cols: Shin splints:MR appearance. Radiology 1997; 204: 177-180.
  5. Holen KJ and cols: Surgical treatment of medial tibial stress syndrome (Shin splints) by fasciotomy of leg superficial posterior compartiment. Scand J Med Sci Sports 1995; 5:40-43.

por Dra. Ana Paula Simões da Silva
Ortopedista especializada em medicina e cirurgia do pé e tornozelo
Médica assistente do grupo de trauma esportivo da Santa Casa de São Paulo
Médica da Seleção Brasileira de futebol feminino



 
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